Editado de postagem do site: http://www.cliohistoria.hpg.ig.com.br/
Nos séculos XII e XIII, a Europa cristã empenhou-se numa vasta campanha contra o mundo muçulmano, para recuperar os lugares santos e assegurar o controle das rotas de peregrinação. Essas expedições bélicas, as cruzadas, contribuíram para o fomento do comércio e da navegação no Mediterrâneo e para a ascensão da burguesia na Europa.
No consenso geral, houve oito grandes cruzadas, empreendidas pelos reinos cristãos e quase sempre também pelo papado. Além dessas, registraram-se alguns movimentos de menor alcance, mas com as mesmas características das cruzadas.
ANTECEDENTES: Depois do ano 1000, ocorreu na Europa um crescimento demográfico, comercial e cultural que abalou os alicerces das instituições medievais. Todavia, o continente mantinha-se aferrado ao sistema feudal e as guerras proliferavam entre reinos e feudos, criando um clima geral de insegurança. No início da primeira cruzada, em fins do século XI, a Inglaterra ainda sofria as conseqüências da conquista normanda de 1066, a Espanha estava em pleno processo de Reconquista e a Alemanha enfrentava numerosas lutas internas e disputas com Roma. Por isso, esses três grandes países não participaram logo das cruzadas, cuja base principal foi a França.
Entretanto, todas essas nações passavam por processos sociais semelhantes. A expansão demográfica que começara no século anterior deixara desocupados muitos jovens da nobreza, que, não sendo primogênitos, se viam excluídos da herança de propriedades e, assim, eram tentados pela aventura. Por outro lado, a crescente atividade econômica impelia a Europa a disputar com o Islã o domínio do Mediterrâneo. Com a enorme concentração de poder nas mãos da igreja, o papado podia empreender grandes iniciativas de expansão religiosa. Todos esses fatores levaram a Europa a realizar uma série de custosas guerras santas contra o mundo muçulmano, que naquela época atravessava um período de grande instabilidade.
As tribos turcas, originárias do interior da Ásia, se haviam lançado à conquista do oeste, comprometendo o califado abássida de Bagdá no século XI. A veemência desse ímpeto produziria um choque multissecular com o Ocidente cristão.
O profundo sentimento religioso da cristandade medieval não teve paralelo. A devoção popular se traduzia em movimentos coletivos de crítica aos religiosos, que, por sua vez, exortavam os fiéis a acabar com os conflitos internos ou externos, ou a proteger a comunidade dos perigos dessas lutas. Tanto assim que as cruzadas tiveram uma de suas origens nas associações locais empenhadas em suprimir os conflitos feudais (trégua e paz de Deus) e em garantir a segurança dos peregrinos que viajavam para cidades européias de grande fé cristã, como Roma ou Santiago de Compostela. No Concílio de Clermont, em 1095, a proteção eclesiástica se estendeu aos peregrinos que viajavam para Jerusalém, e pela primeira vez lançou-se a idéia de uma campanha contra os infiéis. O ideal da cruzada, portanto, englobava ao mesmo tempo a aspiração de que a paz reinasse entre os cristãos e a exortação contra os muçulmanos, em cujas mãos se encontravam os lugares santos.
O espírito religioso da época fortaleceu-se com o temor generalizado do fim do mundo, provocado pelo início do segundo milênio.
Em fins do século XI, o império bizantino se ressentia dos violentos e crescentes golpes infligidos pelos novos conquistadores turcos. O imperador bizantino Aleixo I solicitou a ajuda da cristandade ocidental, que logo se dispôs a prestá-la.
PRIMEIRA CRUZADA
O Concílio de Clermont, inaugurado pelo papa Urbano II em novembro de 1095, incluiu entre suas decisões a de conceder o perdão de todos os pecados - isto é, a indulgência plena - aos que fossem ao Oriente para defender os peregrinos, cujas viagens tornavam-se cada vez mais perigosas. A repercussão popular da medida tornou-se patente quando o papa, ao anunciá-la, foi aclamado por uma multidão. Ao grito de "Deus o quer", que logo se propagou pela Europa, numerosos franceses de todas as camadas sociais vestiram um uniforme que ostentava uma grande cruz e que deu o nome aos guerreiros. O entusiasmo foi de tal ordem que muitos venderam ou hipotecaram todos os seus bens para obter as armas e o dinheiro necessários.
As camadas mais humildes da população criaram sua própria força, a chamada "cruzada do povo", que, formada em torno do pregador Pedro o Eremita, atravessou a Hungria e a Bulgária, provocando a sua passagem grandes abusos e desordens. Dizimados em parte pelos búlgaros, esses cruzados foram expulsos de Constantinopla em 1096 e acabaram sendo aniquilados pelos turcos. Outros grupos, sobretudo alemães, que se aproveitaram da expedição para massacrar judeus, sequer obtiveram permissão para atravessar as fronteiras bizantinas.
O imperador bizantino exigiu dos chefes militares estrangeiros que jurassem resgatar os territórios arrebatados ao império pelos turcos e que também lhe entregassem todas as novas terras conquistadas, com o que os cruzados concordaram.
Depois de conquistarem Nicéia e Antióquia, os cruzados rumaram para Jerusalém, que se achava nos domínios dos califas fatímidas do Cairo. O exército cristão ficara reduzido a cerca de 1.500 cavaleiros e 12.000 soldados, carentes de armas e provisões. Jerusalém foi conquistada três anos depois do começo da primeira cruzada a um custo jamais imaginado pela cristandade ocidental. A conquista foi seguida de um massacre de muçulmanos e judeus -- homens, mulheres e crianças.
Balduíno foi proclamado rei de Jerusalém (novembro de 1100), inaugurando-se assim o primeiro dos reinos cristãos que se instalariam na Terra Santa em conseqüência das cruzadas. Também criaram-se os condados de Edessa e Trípoli e o principado de Antioquia.
Segunda cruzada
Os estados cristãos do Oriente foram continuamente fustigados pelos turcos e, quando estes tomaram Edessa em 1144, o papa Eugênio III achou que já era hora de empreender uma segunda cruzada e convocou-a por uma bula especial em 1145. Também dessa vez a França apoiou ativamente o projeto, do qual participaram seu rei, Luís VII, e o imperador alemão, Conrado III, junto com Frederico da Suábia, herdeiro do império germânico, e os reis da Polônia e da Boêmia.
Em março de 1148, os franceses chegaram à Antioquia e pouco depois dirigiram-se para Jerusalém, onde decidiram atacar Damasco com seus cinqüenta mil soldados. A iniciativa fracassou em 28 de julho de 1148, quando, depois de cinco dias de assédio, ficou evidente que a cidade era inexpugnável. Ali terminou a segunda cruzada.
Terceira cruzada
Os 25 anos seguintes foram para os estados cristãos do Oriente uma época de graves perigos e lutas intestinas. Nesse período, tais estados também se desenvolveram muito. No século XIII redigiu-se o código denominado Assises de Jérusalem (Fundamentos do Reino de Jerusalém), que estabelecia o sistema feudal na região. Duas ordens militares cristãs, a dos cavaleiros de São João de Jerusalém e a dos templários, aumentaram seu poderio nesses reinos. A igreja ficou completamente latinizada, e consolidou-se uma população oriunda de quase todos os países da Europa.
As disputas entre os estados cruzados e a ameaça do sultão Saladino, que se apoderou de Jerusalém em outubro de 1187, levaram o papa Gregório VIII a lançar outra cruzada, à qual imediatamente se associaram o rei Guilherme II da Sicília, o imperador alemão Frederico I Barba-Roxa, os reis Filipe Augusto II da França e Henrique II da Inglaterra, que morreu pouco depois, sendo substituído por Ricardo I Coração de Leão. O rei francês alcançou Acre em abril de 1191 e em junho chegou Ricardo. Decorrido um mês de assédio, os cruzados tomaram a praça. Filipe voltou à França e Ricardo seguiu para Jerusalém. Ainda em 1191, em Arsuf, derrotou as forças muçulmanas e ocupou novamente Jaffa. Ricardo retornou à Europa sem jamais haver entrado na cidade santa. Com isso terminou a terceira cruzada, que, embora não tenha conseguido recuperar Jerusalém, consolidou os estados cristãos do Oriente.
Quarta cruzada
O impulso para o quarto movimento cruzado veio do papa Inocêncio III, que desde 1198 exortava a cristandade a empreender uma nova expedição. O pedido do papa repercutiu muito entre os nobres. Decidiu-se que o transporte dos exércitos ficaria a cargo de Veneza, cujas relações com Constantinopla eram das mais tensas. O ressentimento dos bizantinos contra os privilégios comerciais de que a cidade italiana desfrutava no império já resultara num massacre de venezianos em 1182.
Esse conflito acabou mudando os rumos da quarta cruzada. O objetivo do papa era destruir a potência islâmica do Egito; mas para Veneza, que mantinha boas relações comerciais com esse país, tratava-se de conquistar Constantinopla. Assim, constatado que o exército cruzado não dispunha de recursos para pagar pela travessia, as autoridades venezianas negociaram com os cruzados para que estes as ajudassem a conquistar a cidade cristã de Zara (Império Bizantino), na costa da Dalmácia, o que foi aceito. Zara caiu em novembro de 1202, apesar dos protestos do papa. A cruzada se tornara uma simples guerra secular.
Em 13 de abril de 1204, os cruzados entraram na capital (Constantinopla), que sofreu três dias de pilhagens e massacres. Em seguida, os cruzados dividiram entre si os despojos do império. Estabeleceram-se um reino bizantino em Epiro e diversos principados latinos na Grécia, como o ducado de Atenas e o principado de Moréia.
Quinta cruzada
O papa Honório III conseguiu, durante o IV Concílio de Latrão, em 1215, adesões para uma nova expedição.
Em fevereiro de 1219, os muçulmanos negociaram uma paz que incluía a cessão da própria Jerusalém aos cristãos. Pelágio (cardeal do clero católico) preferiu rejeitar a excelente oferta, pois estava certo de que os muçulmanos não poderiam resistir aos cruzados, quando Frederico II chegasse. Damietta caiu em novembro de 1219, mas o atraso das tropas alemãs estancou o avanço dos cruzados. Em julho de 1221, o cardeal ordenou uma ofensiva contra o Cairo que fracassou e, depois, teve de aceitar uma trégua de oito anos. Essa foi a última cruzada para a qual o papado mandou suas próprias tropas.
Sexta cruzada
O imperador Frederico II iniciou a sexta cruzada em 1227. Depois que sua frota partiu, o imperador recebeu uma missão de paz do sultão do Egito, mas o papa Gregório IX excomungou-o por ele ter demorado a se engajar na luta. Finalmente, Frederico zarpou no verão de 1228; mas tanto em Chipre como em Acre suas pretensões foram baldadas, sobretudo em virtude de sua excomunhão. Apoiado apenas pelos cavaleiros teutônicos e por suas minguadas tropas, Frederico conseguiu, no entanto, selar um acordo vantajoso com os egípcios em 1229. O reino de Jerusalém recebia a cidade santa, Belém, e um corredor para o mar, e firmava-se uma trégua de dez anos. Frederico foi coroado rei de Jerusalém e, de volta à Europa, reconciliou-se com o papa em 1230.
Sétima cruzada
Expirados os dez anos da trégua, uma nova cruzada, com poucos homens e poucos recursos, liderada por Ricardo de Cornualha e Teobaldo IV de Champanhe, não pôde impedir que, em 1244, Jerusalém caísse nas mãos dos turcos. Mas no ano seguinte, quando o papa Inocêncio IV abriu o Concílio de Lyon, o rei da França, Luís IX, expressou o desejo de ajudar os cristãos do Oriente. Luís IX levou três anos para embarcar, mas o fez com um respeitável exército de 35.000 homens. A expedição chegou a Chipre em setembro de 1248, como escala para o Egito. Em junho de 1249, Damietta foi recuperada para os cristãos e a cidade do Cairo esteve a ponto de cair em fevereiro de 1250. Os muçulmanos lograram interceptar o envio de provisões destinadas aos cruzados e Luís, diante da fome e das enfermidades que afligiam sua tropa, resolveu bater em retirada, mas foi feito prisioneiro. Libertado em troca do pagamento de um resgate em maio de 1250, permaneceu no Oriente até 1254, quando conseguiu a entrega dos demais prisioneiros.
ÚLTIMAS CRUZADAS
Em 1265, os egípcios da dinastia mameluca tomaram Cesaréia, Haifa e Arsuf; em 1266, ocuparam a Galiléia e parte da Armênia e, em 1268, conquistaram Antioquia. O rei Luís IX lançou nova cruzada em 1270, que seria a oitava, mas não encontrou muito eco na Europa. Dessa vez, rumou para Túnis, mas a expedição acabou em tragédia: a peste ceifou o próprio rei e um de seus filhos, além de muitos cruzados.
Desde então os estados cristãos do Oriente ficaram à mercê do destino, pois extinguiu-se na Europa o espírito que tinha animado as cruzadas. Muitos fatores concorreram para esse desgaste. Os exércitos europeus tinham-se convertido em milícias profissionais e os cavaleiros encontravam nelas uma ocupação permanente, sem necessidade de recorrer a aventuras no exterior. Os recursos financeiros absorvidos pelas cruzadas achavam agora melhor emprego no próprio continente. A igreja, motriz principal dessas campanhas, perdera muito de seu prestígio e não ousava arriscar novas campanhas.
Os estados cristãos no Oriente foram-se extinguindo um após outro. O de Jerusalém se desintegrou com as lutas entre os nobres cristãos. Os castelos dos cruzados foram sucessivamente destruídos.
As ordens militares também abandonaram a Palestina e com elas desapareceram as únicas forças organizadas que se opunham ao Islã.
Os turcos já não encontraram obstáculos de monta para suprimir o império bizantino, quando finalmente caiu, em meados do século XV, se reduzira a um pálido reflexo do que fora.
SIGNIFICADO HISTÓRICO
Embora não significassem um triunfo militar, as cruzadas exerceram poderosa influência na Europa ocidental. A rude cultura do Ocidente enriqueceu-se pelo contato com a do Oriente; desenvolveu-se o conhecimento da ciência e da filosofia greco-islamita; e adquiriram-se novas técnicas de combate. Reunidos em grandes massas que falavam uma linguagem comum ou dialetos relacionados, os cruzados fizeram contato com diferentes culturas e línguas, estabelecendo-se lembranças e tradições comuns que alimentaram o nacionalismo crescente.
As cruzadas contribuíram para o enfraquecimento parcial do feudalismo. Muitos senhores morreram ou, endividados, empobreceram gradualmente; outros fixaram-se no Oriente, disto se aproveitando o poder real, sobretudo na França, para destruir a independência política dos senhores feudais.
SIGNIFICADO ECONÔMICO
Foram profundas as transformações econômicas que as cruzadas geraram. Passaram-se a cultivar novos produtos agrícolas, como o açafrão, o arroz e a cana-de-açúcar. Criaram-se novos instrumentos para a indústria e novos processos de fabricação de vidro e de tapetes. Com o estímulo ao comércio e à indústria, desenvolveram-se as cidades, onde predominava uma classe média hostil ao senhor feudal. Houve enorme expansão no comércio entre a Europa ocidental e a Ásia. Foram implantados o sistema bancário e o do crédito europeu, dando início ao capitalismo comercial. O Mediterrâneo, aberto às frotas européias, favoreceu a expansão mercantil, sobretudo de Gênova e de Veneza.
SIGNIFICADO ESPIRITUAL
Os contatos permanentes com o pensamento oriental despertaram muitas idéias heréticas na Europa ocidental. Em relação ao papado, as cruzadas provaram a incapacidade dos papas para dirigir a cristandade. É certo que elas satisfizeram o desejo de restaurar a comunhão dos cristãos do Oriente com Roma no plano espiritual, mas sua política deixou apenas uma herança amarga, que tornou o cisma irreparável.
Na realidade, as cruzadas detiveram por quatro séculos o que se julgava inevitável no século XI: a queda de Constantinopla. Muito mais que os acontecimentos do século XV, as cruzadas marcaram o início dos tempos modernos. Nelas, fase de transição, havia muito de medieval - a cavalaria, a ascendência da igreja, o feudalismo e a arte militar. Mas havia também muito de moderno - o comércio internacional, a interpenetração de culturas, a vida urbana, a pequena indústria.
A “CRUZADA DOS MENDIGOS”
Em março de 1096, 12 000 pessoas, entre elas mulheres acompanhando os maridos, crianças. velhos e camponeses desejosos de escapar à servidão feudal, levando ramos de palmeiras e cruzes, e acreditando poder derrubar os muros de Jerusalém apenas com a força da oração, partiram da França em direção à Terra Santa. Eram liderados por pregadores itinerantes como Pedro, o Eremita, e Gualtério, o Sem-Posses (Gauthier Sans-Avoir), e entre a turba só oito eram cavaleiros.
Essa multidão tinha pouquíssimas armas e quase nenhum mantimento. A marcha desordenada foi marcada por atol de pavorosa crueldade, dos quais foram vítimas muitos judeus (vistos como "inimigos de Cristo"); cidades cristãs foram saqueadas para obter alimentos; essas violências freqüentemente provocaram a reação armada dos governos das regiões por onde passavam os “cruzados”. Em julho de 1096, os viajantes alcançaram Constantinopla, onde o imperador de Bizâncio, Aleixo Comneno, aconselhou-os a não atravessarem o Estreito de Bósforo e a esperarem a expedição oficial, que só sairia da Europa em agosto. Foi inútil. A multidão prosseguiu até Nicéia, cidadela muçulmana, decidida a atacar. No entanto, foi suficiente a ação dos arqueiros turcos para fazer tombar a maior parte daqueles infelizes sonhadores.
1212 A “CRUZADA DAS CRIANÇAS”
O escândalo da Quarta Cruzada levou à crença de que só inocentes e devotas crianças poderiam libertar o Santo Sepulcro. Pregadores fanáticos convenceram os pais de 30 000 crianças a deixá-las partir desarmadas e sem suprimentos. Em Gênova encontraram capitães que as transportaram para o Egito e a Tunísia, em vez de para a Palestina; muitas foram vendidas como escravas; outras morreram e fome e doenças.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário