quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Resumão de Feudalismo

O FEUDALISMO - Adaptado de postagem do site: http://www.cliohistoria.hpg.ig.com.br/

A “HOMENAGEM”

Trata-se de uma cerimônia com muitos gestos e símbolos, como descreve o historiador Marc Bloch (1886-1944': “Eis dois homens frente a frente: um, que quer servir; o outro. que aceita. ou deseja ser chefe. O primeiro une na mãos e, assim juntas, coloca-as nas mãos do segundo: claro símbolo de submissão (...). Ao mesmo tempo, o personagem que oferece as mãos pronuncia algumas palavras, muito breves, pelas quais se reconhece ‘o homem’ de quem está na sua freme. Depois, chefe e subordinado beijam-se na boca: símbolo de acordo e amizade”.
A “homenagem" é assim o ato pelo qual um indivíduo passa a ser admitido como “o homem”. Esse indivíduo, porém, apesar de suas palavras, não é nenhum pobre miserável: é o comes, palavra latina que significa “companheiro”; é o companheiro de batalhas de um chefe guerreiro que se tornou rei. É, portanto, um influente do reino.
Mas o seu pecar não é nada diante do rei, cuja autoridade passou a ser considerada como um desígnio de Deus. Pela vontade divina, o rei é o senhor todo-poderoso, o único proprietário legitimo de todo o reino. Ninguém é nada sem o seu consentimento e proteção.
É por isso que o comes deve reconhecer-se como um indivíduo que nada possui, e que precisa, conseqüentemente, da proteção do rei. Em troca, ele deve servir ao rei, ser-lhe fiel. Só então pode se tornar "o homem”, mas na qualidade de "homem do rei", que irá permanecer à sua disposição até a morte. Geralmente, o "homem do rei" era também denominado vassalo – palavra de origem celta que significava, no inicio, "escravo doméstico". Com o tempo porém, ser vassalo tornou-se um símbolo de honra, prestigio, poder e riqueza.
De fato, o vassalo, em troca da fidelidade e de serviços, recebia do rei uma série de vantagens (os '‘benefícios’'), principalmente o direito de posse e de administração de uma parte do reino. Tal porção de território denominava-se feudo, palavra derivada do termo românico fief (ou feu, em provençal), que por sua vez veio do germânico Vieh.
O vassalo tornava-se assim feudatário e, na homenagem, recebia alguns objetos chamados "investiduras”: desde um bastonete representando os benefícios, até uma porção de terra simbolizando o feudo, um ramo de planta verde para tornar a terra fecunda e produtiva,, uma bandeira como sinal de união entre o rei e o vassalo, e uma espada como símbolo do poder do feudatário sobre o feudo, mas também do dever do vassalo de auxiliar o rei com suas armas.

A RELAÇÃO DE DEPENDÊNCIA

O juramento do vassalo, que citamos na abertura, é um dos mais antigos que se conhece. Do século X ao XII – período em que o sistema de vassalagem atingiu uma forma mais acabada –, a formula do juramento bem como os direitos e os deveres do rei e do vassalo ficariam mais complexas. Apesar disso, o essencial do sistema permaneceu imutável, tendo como base dois pontos:
1) A existência de um “poderoso", que necessita de homens fiéis que o auxiliem na administração das terras e das riquezas do reino, e que organizem o exército nos tempos de guerra.
2) A existência, por outro lado, de pessoas dotadas de menos poder, e que, por isso, requerem proteção e auxilio de alguém mais poderoso. Em troca da fidelidade e de serviços, esses “homens do rei” recebem benefícios (como o feudo) e privilégios, como as “imunidades” (isenção de impostos), e os direitos de cobrar taxas de seus subordinados, de criar leis para o seu feudo, de recrutar soldados etc.
Em suma, a organização social que caracterizava o feudalismo baseava-se em relações pessoais de dependência e de ajuda recíprocas, como método de controlar e governar vastos territórios.
Mas por que surgiu na Europa um tal modo de organização da sociedade, exatamente pouco depois da fundação, no final do século VIII, do império Carolíngio, por Carlos Magno? Por que esse rei e seus sucessores, que detinham em suas mãos o domínio de grande parte da Europa, não reservaram para si todo o governo do reino?
Na realidade, esse grande território era praticamente ingovernável: as guerras eram constantes e, além disso,a Europa passava por contínuas invasões de povos guerreiros (os vikings, ao norte, os húngaros, a leste, e os árabes, ao sul).Nessas condições, Carlos Magno, do mesmo modo que os seus antecessores merovingios, só podia governar confiando parte da administração a condes, marqueses e duques, readaptando formas de dependência pessoal que já faziam parte da tradição dos povos bárbaros (como os francos e os germanos) ou das instituições romanas.
O feudalismo foi, assim, se consolidando aos poucos, não como resultado de um plano político, mas a partir de respostas imediatas a problemas e dificuldades de cada momento. Em conseqüência, o poder e a autoridade do rei foram se enfraquecendo em proveito dos feudatários, provocando na prática a divisão do reino em vários territórios autônomos e independentes entre si.

A COMPLEXA REDE DE RELAÇÕES DE DEPENDÊNCIA

Carlos Magno, coroado imperador em 800, morreu em 814. O último imperador da dinastia carolíngia foi Carlos, o Gordo, deposto em 887. Durante esse período, o feudalismo foi adquirindo a sua forma, e uma grande parte da Europa passou a se constituir de incontáveis feudos, dos quais os maiores dariam origem aos Estados nacionais modernos.

O “REINO” DENTRO DO REINO

O feudo era composto pelo território que o vassalo obtinha do soberano. O feudatário administrava, mas não era proprietário. Em outras palavras, ele apenas detinha o usufruto do feudo: o seu direito restringia-se ao uso dos frutos daquele território, isto é, os produtos da terra e os bens oriundos de impostos e de serviços de seus subordinados. O proprietário continuava sendo o longínquo soberano, que retomava o feudo quando da morte do feudatário.
Na prática, porém, o filho do falecido feudatário renovava o juramento de fidelidade ao rei e prosseguia a administração do pai. Em outras palavras, o feudo era praticamente hereditário. Na verdade, o rei, nessas condições, quase não tinha controle sobre os feudos. Desde que o feudatário não rompesse a fidelidade ao rei, poderia governar o feudo como se este fosse seu "reino" e ele mesmo, um "rei”.
Sendo uma espécie de rei no seu feudo, o feudatário podia selar acordos de fidelidade e auxílio recíprocos com outras pessoas menos poderosas do que ele. O feudatário, de fato, também precisava de auxílio para administrar o seu feudo, e isto o levava a recrutar seus “homens” por meio de uma cerimônia de homenagem com características idênticas àquela à qual ele havia se submetido. Nesse caso, o feudatário, que era um vassalo do rei, tornava-se, por sua vez, senhor de outros vassalos.
Esses “vassalos do vassalo” (vavasseurs, na região da Normandia), recebiam, em troca da sua fidelidade, parte do feudo do seu senhor a título de benefícios: um castelo, uma fortaleza vizinha a uma vila de agricultores, campos cultivados, ou até mesmo uma simples ponte ou estrada sobre as quais podiam cobrar taxas e tributos.
A complexa hierarquia do sistema de vassalagem, no entanto, não se esgotava nesse ponto: os "vassalos do vassalo” podiam também ter seus vassalos, a quem exigiam fidelidade em troca de benefícios e imunidades. Assim cada nobre era senhor ou vassalo de outro.
A sociedade feudal estava assim rigidamente organizada por uma extensa e intrincada rede de relações pessoais de dependência, baseadas em compromissos mútuos, onde cada indivíduo ocupava uma posição fixa. Cada um estava na dependência do seu senhor – até mesmo o rei: este era considerado vassalo de Deus, de quem teria recebido o reino e a autoridade em troca da fé.

AS CAMADAS DOMINADAS

Grandes feudatários, vassalos do vassalo ou modestos vassalos destes, compunham a camada dominante na sociedade feudal e pertenciam invariavelmente ou à nobreza ou ao clero. Os nobres eram poderosos porque sabiam manejar a espada e a lança; os membros do clero, porque detinham os segredos da palavra divina. Uns mais, outros menos, todos eles possuíam alguma parcela do poder e da autoridade.
Abaixo deles havia as camadas dominadas, formadas por pessoas pobres e sem nenhum poder, e que também viviam na estreita dependência do seu senhor.
Mas mesmo entre os membros dessas camadas baixas, havia uma certa hierarquia. Os homens livres eram os mais privilegiados. Os artesãos, por exemplo, que produziam artigos de ferro, couro, madeira, lã etc., eram protegidos pelos senhores, que lhes davam casa e oficina. Em troca, os artesãos deviam fornecer anualmente ao senhor uma determinada quantidade de seus produtos. Livres eram ainda os colonos, isto é, os agricultores que cultivavam as terras a eles destinadas pelo senhor, em troca da proteção. A obediência ao senhor traduzia-se também em uma série de obrigações: deviam entregar parte da produção da terra ao senhor; pagavam taxas que recaíam, por exemplo, sobre o uso do forno, da ponte etc.; e deviam executar alguns trabalhos gratuitos (consertos de estradas, construção de muralhas etc.), denominados corvéias. Em caso de guerra, além de serem obrigados a assistir seu senhor, os vassalos deveriam resgatá-la se ele caísse prisioneiro em luta. Na realidade, numa sociedade inteiramente marcada por obrigações mútuas, era muito difícil determinar quem era livre, mesmo porque as palavras que designavam as categorias sociais variavam muito conforme a época e o lugar. Além disso, os colonos, com o passar do tempo, acabaram se confundindo com os membros da camada mais baixa da sociedade feudal: os servos.

OS SERVOS DE GLEBA

As obrigações que ligavam o servo ao senhor não eram muito diferentes das do colono: parte da sua produção agrícola era destinada ao senhor; devia pagar taxas para a utilização de fornos, moinhos e tonéis; realizava trabalhos gratuitos (as corvéias); pagava impostos por pessoa; e ainda devia cultivar as terras que o senhor reservava para si.
Se não era escravo, (a palavra “servo” na origem significava “escravo”), era tido como “coisa do senhor”, o qual dispunha do seu corpo, do seu trabalho e de seus bens. Suas obrigações não provinham de um juramento, mas da sua condição: servo era servo de pai para filho. Em suma, os servos estavam presos à gleba (a terra) e ao seu senhor, a quem alimentavam com o suor do seu trabalho. Eram, portanto, os verdadeiros sustentáculos do feudalismo.

“Gregório, bispo, servo dos servos, para todos os arcebispos, bispos, duques e condes do Reino Teutônico. O rei Henrique, em súplicas constantes, se oferece para satisfazer em tudo a Deus e a São Pedro, prometendo-nos observar completa obediência para, assim, merecer a bênção apostólica. Por muito tempo discutimos o caso, e repreendemos o rei por intermédio de cada núncio que nos vinha solicitar o seu perdão. Finalmente, por sua vontade, ele [Henrique] acampou diante do nosso castelo, permaneceu três dias diante da porta de entrada, despojado de todo ornamento real, vestido miseravelmente. Estava descalço e coberto apenas por uma humilde veste de lã. Não se cansou de implorar a misericórdia apostólica, de tal forma que todos os habitantes do castelo se comoveram com suas preces. Por fim o acolhemos na graça da Comunhão e no seio da Santa Igreja.’’ Assim descreveu o papa Gregório VII o encontro com o imperador Henrique IV, que, excomungado por ele, fora a Canossa suplicar-lhe perdão. Esse episódio revela o enorme poder da Igreja na Idade Média.

A Igreja e o Império

Envolvendo o imperador Henrique IV e o papa Gregório VII, o incidente de Canossa ocorreu em janeiro de 1077 e foi o ápice de uma longa luta entre a Igreja e o Sacro Império Romano-Germânico.
No Concílio de Narbona (990), os bispos haviam decidido que a Igreja tinha o direito de impor sua disciplina a todos os cristãos, fossem estes clérigos (sacerdotes, frades, monges etc.) ou leigos (pessoas comuns, entre as quais se incluíam reis e senhores feudais).
Mas no século X a confusão na Europa era muito grande para que se pudesse compreender de imediato o significado revolucionário desse princípio: habituada a governar despoticamente, a nobreza feudal vivia num permanente estado de guerra, cujas maiores vítimas eram os servos da gleba. Diante disso, a Igreja – interessada em expandir seu próprio poder – assumiu a defesa dos servos e passou a exigir que os nobres cessassem o estado de guerra.
Primeiramente proibiu-se combater aos domingos, dia do Senhor. Depois, em 1038, o Concílio de Bourges estabeleceu que todo cristão a partir dos 15 anos era obrigado a aceitar a "Paz de Deus” e a ingressar numa milícia organizada pelos bispos e encarregada de impedir que se violasse essa paz.
Por volta de 1040, os bispos da província de Arles proclamaram a "Trégua de Deus”, pela qual a Igreja proibia que se combatesse de quarta-feira à noite a segunda-feira de manhã e em todos os dias santos. Na prática, sobravam apenas noventa dias do ano para guerrear. Essa tomada de posição contra os senhores feudais foi uma forma de reduzir a violência que se observava na Europa desde o esfacelamento do Império Carolíngio (século IX).

A CRISE NA IGREJA

Nem sempre, porém, as ordens dos bispos foram obedecidas, pois a Igreja estava saindo de um dos períodos mais negros e nebulosos da sua história.
Até o século VI, a Igreja gozara de enorme prestígio e grande poder espiritual. O papa era considerado, de fato, o sucessor do apóstolo Pedro e o representante de Jesus Cristo na Terra, ou seja, podia "abrir ou fechar as portas do Paraíso” a quem quisesse. Num mundo profundamente crente, como era a Europa nos primeiros séculos da Idade Média, isso tinha um enorme peso.
Ao longo do tempo, contudo, a Igreja acabou se tornando um verdadeiro Estado, senhora de grandes domínios territoriais. O processo iniciou-se no Império Germânico com Oto I, o Grande (século X), que decidiu apoiar-se nos clérigos para enfraquecer os poderosos senhores feudais. Assim, ao lado dos príncipes leigos, surgiram os príncipes-bispos, os bispos-condes, e assim por diante. Os dois poderes, espiritual e temporal – Igreja e Estado –, estavam indissoluvelmente unidos, mas o segundo dominava o primeiro. Coroado imperador do Sacro Império Romano-Germânico, Oto I estabelecera, em 962, com o seu Privilegium Otonianum, uma espécie de acordo pelo qual ele e seus sucessores se atribuíam o direito de eleger o sumo pontífice (o Papa).

O movimento reformador

Por essa época, os dois maiores problemas da Igreja diziam respeito ao nicolaismo (desregramento moral) e à simonia (comércio de privilégios sagrados). Além disso, quando um soberano investia um vassalo de um feudo eclesiástico (uma abadia ou igreja, por exemplo), confiava-lhe também a investidura religiosa, ou seja, tornava-o bispo ou abade. Ora, anteriormente, apenas o papa dispunha dessa prerrogativa.
Nessas condições as grandes famílias adquiriam bispados e abadias para seus filhos, que quase nunca estavam interessados nas atividades piedosas; ao contrário, os jovens clérigos-aristocratas viviam no luxo, guerreavam, tinham mulheres e dissipavam os bens da Igreja. Evidentemente, nem todos os religiosos concordavam com esse estado de coisas. Surgiram, assim, em vários pontos da Europa, movimentos que lutavam pela revitalização da vida eclesiástica, procurando combater as desmoralizantes práticas da aristocracia. O mais importante desses movimentos nasceu no início do século X, no mosteiro beneditino de Cluny, na França. Os monges pregavam o fortalecimento da disciplina, a obediência às regras da piedade e da castidade e a libertação dos conventos da dominação feudal.

A luta pelas investiduras

No século XI. a renovação monástica e o afrouxamento da tutela do poder temporal sobre a Igreja propiciaram ao papado um maior domínio espiritual, capaz de fazê-lo enfrentar a ordem política dos soberanos. Reanimada, a Igreja afirmava o próprio direito de impor a sua disciplina a todos os fiéis (inclusive o imperador); em contrapartida, o império pretendia continuar controlando a vida religiosa por meio da nomeação do pontífice e da investidura dos bispos. Na segunda metade do século XI o antagonismo estava declarado, desenrolando-se entre reis e papas a série de disputas que passou para a História como a “querela das investiduras”.
Com a morte de Henrique III, o Negro, em 1056, subiu ao trono do Império Germânico seu filho Henrique IV. Neste mesmo contexto, nobres do Império passaram a reivindicar maior independência em relação ao poder. Para piorar, em 1059, a Igreja desfechou seu primeiro grande ataque por intermédio de um decreto do papa Nicolau II. Vedando a intervenção do imperador, esse decreto determinava que a eleição do sumo pontífice devia ser de exclusiva competência dos cardeais (os mais autorizados entre os bispos). Além disso, os cristãos ficavam proibidos de receber cargos eclesiásticos das mãos de um leigo. Dessa forma, o imperador perdia o direito de investir quem quer que fosse em funções religiosas.
A tensão entre império e Igreja intensificou-se ainda mais quando Alexandre II foi eleito papa em 1061, com base nas novas normas e, portanto, sem o reconhecimento dos germânicos fiéis ao imperador. Consolidando sua posição como pontífice, Alexandre II estendeu a reforma de Cluny até a Germânia. Logo, numerosos mosteiros germânicos passaram a recusar qualquer intromissão dos grandes senhores, do imperador e mesmo dos bispos nomeados pelo rei.
Assumindo o governo da Igreja em 1073, Gregório VII condenou vigorosamente as investiduras de ofícios e benefícios eclesiásticos promovidos por leigos e, especialmente, pelo imperador. Em sua ofensiva, o novo papa chegou a proclamar a destituição de todos os clérigos investidos nessas condições.
Convencido de que competia ao papa a direção do mundo religioso, a ele cabendo a exclusividade de nomear bispos e abades, Gregório queria para o papado a ascendência sobre toda a cristandade e, portanto, também sobre o imperador. A Igreja tornava-se, assim. uma espécie de superpoder, colocado acima dos soberanos que reinavam na Europa.
Para Henrique IV (rei do Império germânico), abandonar a prerrogativa de nomeação dos dignitários eclesiásticos significava renunciar a um poder fundamental, no momento em que a maioria dos grandes senhores germânicos opunha-se ao fortalecimento do governo central. Decidido a não abrir mão do que julgava um direito adquirido, o imperador preferiu ignorar as medidas adotadas por Gregório.
Em 1075, o papa solicitou ao imperador que reintegrasse os bispos da Saxônia, destituídos de seus cargos por terem participado de uma longa rebelião (1070-75) contra o poder monárquico. Sentindo-se ameaçado, Henrique contra-atacou, nomeando um prelado hostil a Gregório para o bispado de Milão. Como era natural, o papa recusou-se a confirmar essa investidura. Em 1076, o imperador convocou os bispos alemães para um sínodo em Worms, induzindo-os a rejeitar a autoridade de Gregório VII como papa.

Uma rendição vantajosa

Em violenta reação, Gregório excomungou Henrique IV, e marchou para a Saxônia, onde esperava encontrar-se com os líderes da nobreza revoltada contra o imperador. Ao chegar a Canossa, contudo, deteve-se no castelo da condessa Matilde da Toscana, esposa de seu aliado Godofredo de Lorena.
Enquanto isso, tendo perdido o apoio dos bispos e sentindo-se ameaçado pela rebelião da Saxônia, Henrique decidiu submeter-se às imposições de Gregório. Em janeiro de l 077, no célebre encontro de Canossa, o imperador implorou durante três dias, com os pés nus sobre a neve, o perdão do papa. Concedido, finalmente, esse perdão acabaria resultando vantajoso para Henrique IV.
Na Alemanha, porém, a situação era crítica: levando a revolta às suas últimas conseqüências, a nobreza rebelde escolheu Rodolfo, duque da Suábia, para o cargo de imperador. Em 1080, Henrique marchou contra seus inimigos, enfrentando-os na batalha da Turíngia. Extremamente sangrenta, essa batalha provocou severas perdas em ambos os exércitos; mas a notícia que chegou a Roma dava a vitória às forças de Rodolfo. Acreditando-a verdadeira. o papa excomungou novamente Henrique IV.
Foi o quanto bastou para o imperador reunir o episcopado germânico e lombardo e decretar a deposição de Gregório VII. Para substituí-lo, foi eleito Gilberto, arcebispo de Ravena, que adotou o nome de Clemente III. A sorte passou então a sorrir para Henrique IV, que, derrotando sucessivamente as tropas de Rodolfo e da condessa Matilde, marchou para a Itália. Em março de 108 l, Henrique atravessou os Alpes. Em maio, chegava às portas de Roma. Pouco tempo antes, procurando reafirmar sua autoridade, Gregório declarara que "somente o papa pode ostentar insígnias imperiais (...). É-lhe permitido depor os imperadores (...). Sua sentença não pode ser reformada por ninguém (...). A Igreja Romana jamais errou e, conforme o testemunho da Escritura, jamais errará".
Mas era tarde demais. No começo de 1084, Henrique era senhor de Roma, enquanto Clemente assumia o papado no Palácio de Latrão. Refugiado no Castelo de Santo Angelo, Gregório VII aguardou a chegada de seu aliado, o normando Roberto Guiscardo, cujas forças derrotaram as de Henrique em maio do ano de 1084.

A guerra chega ao fim

Afastado o perigo, Gregório VII voltou a Roma, morrendo em 1084. Seus sucessores continuaram a “guerra” contra Henrique IV e a luta pelas investiduras prolongou-se até 1122. Nesse ano, o imperador Henrique V e o papa Calixto II firmaram a Concordata de Worms, pela qual o primeiro investiria seus feudatários como senhores, enquanto o segundo os investiria como bispos.

Durante o reinado de Carlos Magno, os árabes diziam que, no Mediterrâneo, os críticos seriam incapazes fazer flutuar uma tábua que fosse. No século XI, contudo, diversas cidades européias passaram a lançar ao mar navios que praticavam um comércio em escala cada vez maior. E esse era apenas um dos sinais das modificações sociais e políticas pelas quais a Europa passava.

A Europa depois do ano 1000

Nos séculos XVIII e XIX, diversos autores usaram a expressão Idade das Trevas para designar uma parte da Idade Média européia. Uns referiam-se ao período compreendido entre 476 e 800, em que não houve imperador no Ocidente; outros fixavam os limites entre os anos 500 e 1000, aproximadamente, que delimitaram uma época caracterizada por guerras freqüentes e pelo virtual desaparecimento da vida urbana.

NEM TANTO CONTRASTE

Os historiadores modernos, mais preocupados com a objetividade, rejeitam o conceito de Idade das Trevas, já que esse período encerra importantes formas de ordenamento político.
Em 800, Carlos Magno, o rei dos francos, recebeu do papa o título de imperador (do futuro Sacro Império Romano-Germânico); mesmo assim, a Europa estava fragmentada em numerosos reinos pequenos, e a maioria da população, constituída de camponeses, vivia uma economia de simples subsistência. Nominalmente, o imperador era o soberano, e os reis e príncipes, seus vassalos, dentro de ampla rede de obrigações. O poder político, porém, estava atomizado, fragmentado, e o único fator de integração era a Igreja.

UM NOVO CENTRO

A partir do ano 1000, foi-se firmando um novo centro econômico e político na Europa, mais ao norte que o antigo, concentrado na península Itálica. Desde fins do século IX, povos escandinavos haviam-se fixado na região que viria a ser o ducado francês da Normandia. Com o tempo, os normandos adotaram a religião cristã e a língua francesa. Em meados do século XI, a Normandia era o Estado com maior grau de centralização da Europa. Os normandos conquistaram o sul da Itália, a Inglaterra, o País de Gales, a Escócia e a Irlanda. Os duques normandos sistematizaram o feudalismo, empregando-o em benefício de um governo mais centralizado; fizeram aliança com o papado e aumentaram seu poderio ao ganhar controle sobre a administração da Igreja, ligando-se aos mosteiros, que exerciam grande influência sobre uma larga porção da Europa ocidental (no feudalismo, bispos e abades eram simultaneamente autoridades espirituais e temporais; o clero chegou a possuir um terço das terras européias).
Os normandos desenvolveram as técnicas da cavalaria e a construção de castelos; na base disso, porém, estava uma nova agricultura.

A conquista de novas terras

Já desde 850 vinha se processando o desbravamento sistemático de terras virgens na Europa, e, entre os anos 1000 e 1250, desenvolveu-se um cultivo agrícola intenso na planície entre o rio Loire, na França atual, e o Elba, no território da Tchecoslováquia e das duas Alemanhas.
No tempo do predomínio romano, essa região tinha sido uma área florestal pouco populosa. Existem registros da gradual criação ali de técnicas agrícolas melhoradas e adequadas a climas setentrionais, como o uso da charrua – arado com rodas pesadas –, da coalheira ao redor do pescoço dos animais para fixar tirantes, de enxadas e outro.implementos de ferro, em vez de madeira, da substituição do pilão pelo moinho acionado a roda-d’água. A reintrodução do sistema romano de rotação de culturas, sobretudo, contribuiu para a obtenção de melhores colheitas.

Sobe a produção, aumenta a população

A modificação das técnicas agrícolas operou uma renovação econômica e social de boa parte da Europa. A produção abundante era obtida com menos trabalho, e o senhor feudal não necessitava mais de um número tão grande de servos sujeitos à corvéia (obrigatoriedade de prestação de trabalho). Grande número de pessoas pôde ser dispensado de determinados serviços, ficando, porém, obrigadas a pagar ao senhor em produtos agrícolas ou mesmo em moeda.
Quando os filhos dos camponeses não podiam empregar-se nos campos de exploração paterna, partiam para tentar a sorte em outro lugar. Freqüentemente, o próprio senhor oferecia aos moços lotes de terras virgens para cultivar e, para atraí-los, dava-lhes instrumentos agrícolas, animais de tração e os meios necessários à sua instalação.
Com o crescimento da produção de alimentos, a fome, que pesava havia séculos sobre o mundo rural, diminuiu, fazendo baixar também o índice de mortalidade. É seguro dizer que, após o ano 1000, a população da Europa ocidental começou a crescer de modo regular. No século XII o desbravamento e a colonização de novas terras atingiram seu ápice.

O RENASCIMENTO DAS CIDADES

A melhora de rendimento do trabalho agrícola e o pagamento da corvéia em moeda ou alimentos resultaram em uma concentração de recursos nas mãos das classes abastadas. Rapidamente, os senhores feudais foram tentados ao consumo de outros bens, além dos gêneros de primeira necessidade.
Ao mesmo tempo, um número crescente de camponeses que podiam desligar-se da terra dedicava-se ao comércio ou ao artesanato, satisfazendo a demanda de novos artigos criada pelas classes superiores. Não produzindo alimentos, esses comerciantes e artesãos,por sua vez, precisavam comprá-los. No início trocava-se mercadoria por mercadoria, mas, aos poucos, o dinheiro assumiu uma importância cada vez maior, até se tornar indispensável nas transações.

As peregrinações

Apesar do estado precário dos caminhos, que só permitiam um deslocamento moroso, após o ano 1000 as populações européias começaram a viajar. Religiosos, homens e mulheres, empreendiam longas viagens para as quais o pretexto era quase sempre a visita a certos locais sagrados (Santiago de Compostela, na Galiza, Roma, Jerusalém).
Esses peregrinos não levavam provisões para a viagem inteira, mas dinheiro para pagar refeições e hospedagem ao longo do caminho. Com o tempo, aumentou o número de padeiros, açougueiros, estalajadeiros e camponeses que se estabeleciam no itinerário desses viajantes.
O incremento do tráfego de pessoas pelas estradas acarretou a circulação de mercadorias. Os camponeses vendiam aos viajantes o excedente de suas colheitas e essa foi uma das formas pelas quais o dinheiro penetrou no meio rural. Naturalmente o maior beneficiado era o feudatário, que exigia do pequeno agricultor pagamento das suas obrigações em moeda. O clero, sobretudo a partir do final do século XI, aproveitou-se dos lucros para construir novas igrejas e embelezar os santuários; a aristocracia elevou suas exigências de consumo.

O luxo penetra nos castelos

Os nobres acostumaram-se rapidamente ao luxo: à mesa, servindo iguarias raras; no vestuário, abandonando os tecidos rústicos em favor das sedas e peles; na decoração dos castelos, adquirindo objetos de adorno. Os artigos de luxo, na maioria, eram importados do Oriente, para onde o Ocidente exportava gêneros alimentícios. Paralelamente a esse comércio, cresciam a produção e a troca de alguns produtos dentro da própria Europa. Vinhos franceses eram importados pela Inglaterra e pela região flamenga (que correspondia a uma parte das atuais Holanda e Bélgica); tecidos franceses e flamengos eram exportados para outros lugares da Europa. Com a circulação do dinheiro, o comércio desenvolvia-se rápida e vigorosamente.
Na segunda metade do século XI, o tráfego de pessoas e mercadorias era tão intenso nas estradas da Europa que os castelões criaram impostos sobre as mercadorias transportadas pelos caminhos que atravessavam seus feudos.

Novos protagonistas: os mercadores

A partir do século XI, uma nova classe econômica impôs-se na sociedade medieval: a dos mercadores. Eles buscavam produtos nos locais onde eram oferecidos em boa quantidade e a preço favorável, transportando-os, depois, por via marítima, fluvial ou terrestre, até os mercados de consumo. Como sua atividade era altamente arriscada (podiam ser assaltados ou submetidos à arbitrariedade dos senhores feudais por cujas terras passavam), os mercadores geralmente uniam-se e deslocavam-se em caravanas.
Às vezes, alguns comerciantes associavam seu capital reunindo-se numa sociedade. De início, o grupo juntava-se para uma única viagem; depois, tornava-se estável. As sociedades permanentes, chamadas no norte da Europa de guildas e hansas, podiam congregar os grandes mercadores de uma determinada região, ou os transportadores e usuários de um mesmo rio, ou ainda os freqüentadores de um mesmo centro comercial. Tais associações realizavam viagens em datas prefixadas, seguiam um trajeto conhecido e encontravam-se com outros comerciantes autônomos ou pertencentes a outras sociedades nos entroncamentos dos principais itinerários, onde se efetuavam transações comerciais. Assim nasceram as feiras. Em troca de uma taxa paga ao senhor do território, este assegurava aos mercadores a proteção, a paz e a segurança necessárias à realização dos negócios.
Além da feira, surgiu outro ponto de encontro: as cidades, onde os mercadores criaram entrepostos para passar os meses de mau tempo à espera da estação das caravanas e das feiras. Assim, o incremento das atividades mercantis fez com que ressurgisse a vida urbana.

Nascem os burgos

Originariamente o castelo era apenas a habitação do senhor feudal, sua família e agregados. No decorrer do tempo, porém, tornou-se burgo, ou seja, passou a centralizar todas as atividades coletivas essenciais. Ali se encontravam os moinhos de trigo, os fornos para assar pão, as granjas, os armazéns, uma capela e até mesmo uma guarnição encarregada da defesa da comunidade.
A cidade medieval cresceu a partir dos burgos, nas vizinhanças de abadias e mosteiros, sedes de romarias periódicas, que atraíam um grande número de viajantes, ou sobre as ruínas de antigas cidades romanas fundadas no passado em virtude da posição estratégica e/ou da facilidade de comunicação. Qualquer que fosse o ponto de partida, a cidade desenvolvia-se sempre em locais bem definidos e com intenso trânsito de pessoas.
De modo geral, o novo núcleo urbano organizava-se em torno de uma praça, onde, a cada semana, se faziam as transações comerciais. As ruas que conduziam a esse espaço amplo eram estreitas e tortuosas. As casas quase sempre tinham uma loja no pavimento térreo, na qual os artesãos, egressos do meio rural, produziam e vendiam seus produtos.
A população das cidades tinha origens diversas: uma parte, por exemplo, constituía-se de mercadores que ali resolveram instalar seus negócios; a maioria, porém, era oriunda do núcleo primitivo – o castelo e seus arredores –, antigos camponeses que abandonaram a agricultura atraídos pelas vantagens do comércio ou artesanato. Qualquer que fosse a sua procedência, todos se confundiam na mesma classe social – a burguesia –, que passou a adquirir forma incipiente a partir de meados do século XI.

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